
Tempos de incerteza. Teletrabalho possível ou provável?
24/03/2020
O que era provável de acontecer no futuro, como um aumento contínuo do número de pessoas a trabalhar a partir de casa, será antecipado e implementado pelas empresas?
Tive a oportunidade de trabalhar, presencialmente, com pessoas de extraordinárias competências de gestão e quase todas diziam estar sobrecarregadas e preocupadas por serem diariamente “bombardeadas” com e-mails, reuniões e mensagens que eram quase impossíveis de serem atendidas.
Atualmente, com mais informações e diversas tecnologias disponíveis a todos, o grau de insegurança na eficácia da gestão piorou. Líderes de equipes estão enfrentando demanda crescente em múltiplas direções, com desafios que não param de aumentar em tamanho e escopo. Entretanto muitos não percebem o mundo “VUCA”, sigla que do inglês forma as palavras: “Vulnerability, Uncertainty, Complexity, Ambiguity“, apesar de todos sofrerem com isso.

Acredito que muito possivelmente, hoje em dia, a presença deste novo “mundo” seja o maior desafio que os humanos já enfrentaram.
O conceito VUCA parece ter sido introduzido pela primeira vez no início dos anos 90, pelo US Army War College, para se referir ao mundo multilateral que surgiu após o fim da Guerra Fria e foi caracterizado como sendo mais volátil, incerto, complexo e ambíguo do que nunca.
Em um contexto de negócios, o conceito VUCA decolou após a crise financeira global de 2008 e 2009 nos EUA. Desde então, tem caracterizado fortemente o desenvolvimento de habilidades de liderança em várias organizações. O conceito descreve um ambiente de negócios caracterizado por:
Volatilidade (Volatility): um aumento brutal em quatro dimensões das mudanças que enfrentamos hoje – o tipo, a velocidade, o volume e a escala.
Incerteza (Uncertainty): como resultado da volatilidade não podemos prever eventos futuros.
Complexidade (Complexity): confusão generalizada, sem conexão clara entre causa e efeito afeta todas as organizações hoje em dia.
Ambiguidade (Ambiguity): falta de precisão e existência de múltiplos significados nas condições que nos rodeiam.
Estamos lidando com um mundo onde a mudança é cada vez maior, onde o futuro é menos previsível, onde as opções aumentam exponencialmente e a maneira como pensamos sobre essas opções, sem dúvida, mudou.

Hoje, os líderes devem tomar decisões mais rapidamente processando quantidades enormes de informações, onde tudo está mais interligado do que nunca.
Podemos pensar que este foi o caso de cada geração para cada período da história, e certamente o sentimento deve ter sido o mesmo. Um dos grandes problemas é que, durante muitos séculos, fomos criados num contexto em que acreditamos que o mundo é previsível. Agora precisamos trabalhar com uma mentalidade diferente, onde o importante não é se concentrar no que é provável, mas no que é possível.
Nosso cérebro gosta de categorizar e aprender com o passado para garantir nosso futuro. Isso funcionou bem por milhares de anos. Sem esta capacidade de prever o futuro com base no passado para identificar os riscos, teríamos desaparecido como espécie. Este complexo sistema evolutivo interno fez um trabalho incrível de nos proteger e nos permitir prosperar por milênios, mas agora, está começando a falhar e a nos limitar.
Uma das principais falhas é nos levar a encontrar o que é provável e não o que é possível. O ambiente VUCA significa que devemos nos concentrar no que é possível (porque qualquer coisa pode acontecer) e não sobre o que é provável que ocorra (o que é determinado pelo que aconteceu antes).

Essa mudança pela qual devemos tentar descobrir o que é mais provável e verificar as possibilidades que são apresentadas, pode parecer mais fácil dizer do que fazer. Pesquisas neurocientíficas mostram repetidamente que isso é algo que não “agrada” o nosso cérebro, pois nosso padrão geral não é cortar, reduzir e simplificar a informação que precisamos atuar.
Para ajudar a evoluir e a melhorar a nossa capacidade de lidar com níveis mais elevados de complexidade podemos procurar criar novos hábitos e novos padrões. Precisamos conversar um com o outro de forma diferente, coletar informações de forma diferente e desenvolver diferentes estratégias e planos para o futuro. Hábitos como fazer diferentes tipos de perguntas, observar as múltiplas perspectivas e desenvolver uma visão sistêmica através da procura pela “imagem” completa do problema, podem nos ajudar a dar um passo para trás para determinar o que é possível de ser realizado.
Essas mudanças de hábitos são tão importantes, que nossa sobrevivência futura no atual mundo de incertezas, depende disso. Existem estratégias para aprender e trabalhar, de modo a prosperar neste ambiente e podemos aproveitá-las enquanto mudamos nossa mentalidade para o possível no momento presente em contraste com o provável em ambiente futuro.
Esse momento disruptivo de pandemia nos “obriga” a trabalhar e nos relacionar de modo diferente, de modo virtual, de modo confidente, de modo colaborativo, pois o “inimigo invisível” nos rodeia.
O que era provável de acontecer no futuro, como um aumento contínuo do número de pessoas a trabalhar a partir de casa, será antecipado e implementado pelas empresas? Possivelmente, para a sustentabilidade dos négocios, o “ver para crer” traduzidos, no meio empresarial, como uma necessidade de ver os integrantes das equipes trabalhando para acreditar que estão produzindo, deverá ser suplantada por um aumento, agora forçado, do nível de confiança e colaboração entre todos os envolvidos.

Os eventos de baixa probabilidade e alto impacto, os chamados “cisnes negros”, que ocorrem ao longo de nossa vida pessoal e profissional, podem mostrar na prática que o teletrabalho não só é possível como agora provável.
“É verdade que mil dias não podem provar que você está certo, mas um dia pode provar que está errado”.(*)
(*) TALEB, Nassim Nicholas. “A Lógica do Cisne Negro: O impacto do altamente improvável”. Rio de Janeiro: BestSeller, 2008. p. 93.