Que caminho tomar?

Será que depois de tudo aprenderemos como e para onde ir?

01/04/2020

A humanidade passou por muitas crises, de todos os modos. Fossem essas pela precariedade da saúde, pelo descuido com o meio ambiente, guerras sem fim ou por ganância e incompetência económica, quem mais sofreu foram os menos esclarecidos. E, por mais que o mundo se desenvolva, sempre sofrem os menos favorecidos.

Nos livros de história, aprendemos sobre as mais diversas mazelas universais. Crescemos, alguns de nós, mais velhos, com nomes que nos são bem familiares: a Peste Negra – 1333 a 1351, a Cólera – 1817 a 1824, a Tuberculose – 1850 a 1950, uma das mais longas, matou mil milhões de pessoas. Mas não terminou. Veio a Varíola – 1896 a 1980, a Gripe Espanhola – 1918 a 1919, que matou 20 milhões de pessoas, o Tifo – 1918 a 1922, a Febre Amarela 1960 a 1962 na Etiópia, e mais recentemente descobrimos a AIDS – desde 1981, que matou deste então 22 milhões. Há muito pouco tempo, em 2003, a SARS, a Gripe Aviária, que também surgiu na China e que chegou a lugares distantes em todo o mundo.

Grande praga em Marselha, França 1720 – Getty Images

Pois bem, quando pensamos que nossos filhos e netos veriam essas epidemias apenas em filmes de Hollywood, ou as iam ler em livros, ou nós, mais velhos, as teríamos apenas na memória e mais nada, tudo volta a acontecer, só que desta vez, somos os atores dessa história. Estamos a presenciar acontecimentos que se assemelham aos que estudamos nos livros.

O que aprendemos com a história?

Em todos os eventos passados, mesmo nos tempos mais distantes, havia médicos, cientistas e intelectuais que procuravam soluções. Depois de cada um desses acontecimentos, discutia-se como não repetir, criavam-se meios de evitar o retorno, e passados uns tantos anos, tudo estava resolvido. Aquele evento, dificilmente se repetiria, mas do nada, algo novo aparecia e mais uma vez o pânico tomava as ruas de algum pais ou continente com um sofrimento de enormes proporções. Em parte, pela falta de memória, ou porque algo não foi aprendido na epidemia anterior. Não que não se tenha aprendido a curar, pois isso já avançava a passos largos através da história. Não estamos a falar de aprendizagens clínicas ou científicas, mas sim dos hábitos e das prevenções. Estamos a falar de como evitar que o desastre aconteça. Alguns serão inevitáveis, mas outros, com certeza, poderiam ser atenuados. Talvez bastasse recorrer aos livros, e de algum modo à memória, para perceber que parte do problema está na forma como lidamos com os males a cada vez que eles surgem.

O que aprendemos sobre higiene depois da Peste Negra (Peste Bubônica)? Tentou-se controlar a população de ratos urbanos no século 14. A vida voltou ao normal depois de quase 20 anos, mas a pobreza ainda duraria, e com ela a impossibilidade de se manter longe dos riscos de contaminação por outra crise de saúde. As medidas sanitárias ficariam restritas a uns poucos bem aventurados, mas a política não mudaria. Naquele momento tudo seria diferente se as pessoas tivessem melhores condições de vida e sustento.

Ebola, uma praga que ameaçou o mundo, mas foi vencida.

A maior incidência de crescimento das doenças durante as epidemias ou pandemias, tem por base o desconhecimento e a descrença. Ninguém, numa hora dessas, está preparado para perceber que ao primeiro sinal, deve-se tomar todas as atitudes preventivas. Mas o ser humano é resistente à mudança e prevenção é mudança. É nesse cenário que as grandes epidemias se alastram por países e continentes. Doenças transmissíveis são universais e não selecionam raça, credo, situação financeira ou alguns parâmetros que normalmente são usados para medir o seu progresso. Talvez vírus e bactérias sejam os seres mais democráticos no universo.

Então surge a pergunta: o que podemos aprender se é inevitável? Pode-se aprender sim, se percebermos que apesar das epidemias serem sempre diferentes, elas têm algo em comum: todas tendem a matar por descrença e por atrasos nas providências. Naturalmente, em tempos mais remotos, não se imaginava que um rato poderia ser um problema sanitário, mas depois da primeira lição e de 50 milhões de mortos, as outras que, vieram depois poderiam ter sua gravidade prevista. O mundo não aprendeu nada com o passado e é assim até hoje. Mas não precisaria ser.

O Coronavírus não é diferente das experiências passadas. Ao primeiro sinal, havia a possibilidade de se restringir a um universo bem limitado onde ele tinha surgido, mas então aconteceu a política restrita da China, que calou seu descobridor e com isso atrasou o bloqueio. Mais uma vez não se aprendeu que prevenir é mais eficiente. Depois foi-se aos poucos negligenciando ao redor do mundo até termos o atual cenário em que a economia mundial está à beira do colapso e as mortes a deixar órfãos antes da hora certa.

Como não bastasse há as teorias das conspirações que levam os desinformados com “excesso de informação” a acreditar no que se publica a cada minuto. Parece até que estamos dentro do livro 1984 de George Orwell, onde toda a história muda de acordo com a última tendência.

A democracia do vírus

O Coronavírus, assim como os causadores das epidemias anteriores, também é bastante democrático, porém com uma ambição desmedida. Nesses tempos modernos, com os transportes de alta velocidade, nos tornamos mesmo vítimas de nossa competência tecnológica. Em questão de horas, de avião, de comboio ou em nossos carros, podemos contaminar diversos países em vários continentes. Nem assim a humanidade aprende nada.

A capacidade de transporte leva progresso, mas também os riscos muito mais rapidamente.

Talvez a melhor aprendizagem disso tudo, depois que tivermos passado pela grande crise, seja a crença. Precisamos aprender a acreditar e cobrar melhor tratamento das autoridades, talvez dar mais valor às urnas. Frequentá-las quando elas estiverem disponíveis. Outras epidemias acontecerão, germes, bactérias e vírus estranhos sempre existirão. Eventualmente um ou outro vai escapar para a atmosfera e contaminar alguns milhares, mas para chegar aos milhões bastará o descuido e a descrença de que aquilo nunca acontecerá connosco.

É possível que a única epidemia que não foi desacreditada enquanto acontecia foi a AIDS, pois devido à forma como se disseminou e as razões que levavam à doença, logo ficou claro que todos estavam sob risco e com isso o medo veio logo no começo. Mas, todas as outras cresceram devido a falta de acreditar do que seriam capazes.

O que fica para depois?

Se você ouviu falar do “crash” da bolsa americana em 1929 e achava nos dias de hoje não seria possível acontecer, 2008 provou o contrário. Se a Gripe Espanhola é uma coisa que só existe no passado, lembre-se da SARS e do Ebola. Cada epidemia ou, como agora, uma pandemia tem mais do que mortos em sua bagagem. Esses vão para um patamar de tranquilidade, mas para os que ficam há muito o que fazer: haverá um sistema financeiro a recuperar, empregos a reestabelecer, e principalmente a busca por um mundo em que haja o respeito à vida, qualquer tipo de vida. Um mundo onde as comunicações entre líderes não se limitem a jogos e ganhos políticos e financeiros. Talvez eu esteja querer demais, mas ainda espero que acordemos ao primeiro sinal para evitar que outro desastre nos faça olhar o mundo permanentemente pela janela.

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