
N95. As máscaras que viraram a última tendência
29/03/2020
Ao mesmo tempo, as máscaras são o herói e o vilão dessa história. Se por um lado são inúteis na opinião uns, por outro são indispensáveis, também na opinião da maior parte das pessoas que temem por suas vidas. De repente passamos a ver nas ruas cenas tipicamente japonesas.
Mas há entre elas, um modelo que se tornou objeto de desejo: a N95. Essa máscara que se ajusta perfeitamente à cara e filtra até 95% das partículas em suspensão, incluindo os vírus no ar, que outros equipamentos de proteção não conseguem. Nem mesmo as máscaras cirúrgicas.

Afinal, como pode um pedaço de polímero se tornar o mais importante dispositivo de saúde do século 21? Tudo começou em 1910 com um médico pouco conhecido que queria salvar pessoas das piores doenças de sempre.
Tudo começou para evitar maus cheiros
Bem antes de se saber que vírus e bactérias flutuavam pelo ar e provocavam doenças, as pessoas já improvisavam máscaras para cobrir a cara. Na era da Renascença, cobria-se a cara com panos para se evitar doenças. Durante a peste bubônica, em 1720, pinturas mostram pessoas lidando com corpos infestados de moscas e ratos. A ideia não era evitar contágio, pois acreditavam que a praga era miasma (emanação proveniente de detritos orgânicos em decomposição) como causadora de doenças e epidemias vinha de gases emanados do chão e não dos doentes com quem lidavam.

Essa teoria levou os designers da época a projetar as famosas máscaras da praga, que se viam em toda a Europa dos anos 1600, que eram usadas por médicos responsáveis por identificar os doentes. Essas máscaras tinham longos “bicos”, nos quais podiam ser colocados incenso nas pontas para atenuar os cheiros vindos do exterior. Acreditava-se que não sentindo o cheiro da praga estariam protegidos.
Segundo o médico francês do século 19, Antoine Barthélemy Clot-Bey, essas máscaras foram responsáveis pela disseminação da praga, pois causavam medo e uma pessoa com medo representava um risco maior.
Por volta de 1870, os cientistas descobriram a verdade sobre as bactérias. A moderna microbiologia substituiu a teoria do miasma. De certo modo, o que veio adiante não era exatamente um progresso. Tirando a queda das máscaras com grandes “bicos de passarinho”, pouco mudou no que se refere a proteção.
E chegou a hora do lenço e da gravata
As primeiras máscaras cirúrgicas foram usadas perto de 1897. Na verdade, não eram mais que lenços ou mesmo as gravatas, usados em torno da cara, e não tinham a função de proteger contra partículas suspensas ou doenças aéreas, eram apenas para evitar que os médicos tossissem ou liberassem gotas nos cortes durante as cirurgias.
Há uma diferença entre a máscara e o respirador e é importante. Máscaras são feitas de outros materiais, não se ajustam à face e com isso as partículas podem entrar pelos lados. Respiradores tem filtros que selam a passagem do ar respirado.
A disputa pelo poder através da ciência
Quando em 1910 uma praga atingiu a Manchuria, houve uma complexa negociação por domínios de territórios entre a China e a Rússia. Aconteceu uma corrida científica entre exércitos por uma solução. Ambos queriam provar que tinham capacidade científica e quem ganhasse, teria controle sobre essa rica região. A Corte Imperial Chinesa trouxe então o médico chamado Lien-teh Wu para liderar o projeto. Ele havia estudado medicina em Cambridge. Era um médico jovem e no contexto de uma doença de enorme importância mundial ele era muito pouco importante, mas depois de conduzir uma autópsia em uma vítima, ele concluiu que a praga não era disseminada pelas moscas, mas estava suspensa no ar.

Ele então desenvolveu uma máscara higiênica, confeccionada com algodão e gaze que se ajustava perfeitamente e com segurança à face. Sua ideia se desenvolveu das máscaras cirúrgicas comuns, que se ajustavam bem às faces, acrescidas de várias camadas de tecido para promover a filtragem durante a respiração. A invenção do Dr. Wu foi um marco, mas ainda assim alguns médicos duvidaram da eficiência.
Há um relato interessante, contado pelo especialista na história das máscaras, Christos Lynteris. Lynteris, Antropologista na Universidade St. Andrews: O Dr. Wu foi confrontado por um famoso médico francês, Dr. Gérald Mesny, e explicou sua teoria de que a praga é pneumónica e suspensa no ar. O médico francês o humilhou usando termos racistas: “o que esperar de um chinês?” Para provar sua descrença, Mesny atendeu pacientes em um hospital com vítimas da praga, sem usar a máscara do Dr. Wu e morreu em dois dias, com a praga.

As máscaras do Dr. Wu se tornaram um símbolo de modernidade científica e ele rapidamente se viu um ícone em toda a imprensa mundial, da noite par o dia. Durante a gripe Espanhola de 1918, as máscaras do Dr. Wu já eram bastante conhecidas nos meios científicos e também do público em geral. Empresas em todo o mundo aumentaram a produção de máscaras similares para combater a disseminação da gripe.
A N95 é uma máscara industrial, mas se ajusta perfeitamente aos hospitais
A máscara N95 é uma derivação da máscara do Dr. Wu. Durantes as grandes guerras, foram desenvolvidas as máscaras com filtros de gás, que cobriam toda a cabeça e tinham a capacidade de limpar completamente o ar respirado. Máscaras desse tipo passaram a ser usadas na indústria do carvão para evitar o pulmão negro, muito comum entre os mineiros.
Essas máscaras eram enormes e incómodas, mas a razão disso eram os filtros, compostos de fibra de vidro em grande quantidade e ainda exigiam um grande esforço para se respirar. Por volta dos anos 1950, os cientistas começaram a entender os riscos de se inalar asbestos. Apesar da resistência dos trabalhadores que não gostavam de usar máscaras grandes, essa era ainda a melhor solução.
Lá pelos anos 1970, foram estabelecidos os primeiros critérios para o uso de respiradores descartáveis. Foi então que a 3M desenvolveu o primeiro conceito da máscara N95, descartável, visando o uso industrial na área de segurança do trabalho. A máscara foi criada substituindo a fibra de vidro, por fitas em camadas, formando um filtro, usando um polímero derretido transformando em camadas de fibras minúsculas. Ainda é aplicada uma carga eletrostática, de modo que mesmo as menores partículas são pegas.

As partículas em suspensão penetram em um labirinto de fibras e ficam presos no emaranhado dos tecidos tecnologicamente tratados. Quanto mais se usa a N95, mas eficiente ela se torna ao filtrar partículas. Ou seja, quanto mais partículas acumuladas, mais partículas são filtradas, mas a respiração vai se tornando difícil. Por isso não é possível usar a N95 por mais de oito horas de cada vez. Ela não deixa de filtrar, apenas se torna desconfortável para respirar.
A N95 não é absolutamente perfeita. Não foi projetada para selar a face de crianças ou para cobrir eficientemente pelos faciais e não funciona como a propaganda. Variações da N95, usadas em salas de operação de alto risco, não tem válvulas de exaustão e são muito quentes para se usar, mas o respirador evoluiu ao longo de 100 anos como reação à várias crises. Essa evolução vai continuar muito além da pandemia do COVID-19. Ao redor do mundo, milhares de cientistas continuam desenvolvendo projetos para melhorar cada vez mais a eficiência das máscaras e torna-las mais dedicadas aos males específicos.