
Direito à água é responsabilidade política
08/07/2020
Opinião de Paulo Alves – Milheirós de Poiares
Muito se tem escrito e falado sobre a questão das concessões ao setor privado do serviço de distribuição da água, saneamento, e recolha dos resíduos sólidos, só para falar destes. Está provado à sociedade que tais concessões se revelaram num negócio altamente ruinoso para os consumidores e para as autarquias.
Curiosamente é nas autarquias que este negócio continua a ter os seus defensores, e não há partidos, são todas as autarquias, quer por acção, quer por omissão. Evidentemente, os autarcas que se predispuseram a assinar tais contratos, são os primeiros responsáveis pela ruinosa solução, muitos dos quais já não estão em funções e nunca foram responsabilizados por esses atos, pese embora todos os pareceres negativos emanados do Tribunal de Contas. Como o Ministério Público se eximiu da responsabilidade de investigar e escrutinar tais monstruosidades, os responsáveis ficaram isentos de qualquer responsabilização criminal ou censura política. A única oposição coube a alguns grupos de utentes que se organizaram para lutar pelo direito universal do acesso à água e ao saneamento, e a propostas apresentadas por alguns deputados em assembleia municipal, que defendiam a remunicipalização dos serviços, mas que acabaram derrotadas pelos deputados afetos à maioria. Aqueles utentes que não baixaram os braços e foram lutando na defesa do seu inegociável direito à água, conseguiram a reversão da concessão, cujo exemplo mais recente ocorreu em Mafra. Lamentavelmente a maioria dos autarcas (Presidentes de Câmara) que sucederam aos que assinaram os contratos de concessão, mantiveram a situação tendo permitido inclusivamente aumentos sucessivos nos tarifários, não obstante alguns deles terem feito objecto de campanha o repúdio pelas concessões com compromisso nalguns casos de procederem à remunicipalização dos serviços.
É este o panorama que vivemos nos concelhos das terras de Santa Maria. As Câmaras Municipais cujos executivos elegemos no pressuposto de defenderem os nossos direitos, continuam de costas viradas para aquele que é talvez o assunto que mais urge resolver. Reclamar individualmente, abaixo assinados, desabafos na imprensa e nas redes sociais, parece não ser suficiente para sensibilizar os responsáveis, ocupados que andam todos a tratar de novos licenciamentos para novas grandes superfícies comerciais, e das costumeiras obras pré-eleitorais.
É uma agradável e esperançosa notícia o surgimento de uma associação de defesas dos serviços públicos no âmbito dos três concelhos das Terras de Santa Maria. Os seus promotores perceberam que só uma resposta ampla e unificada, numa associação deste tipo, pode dar passos para resolver os problemas da falta de resposta no abastecimento de água e do saneamento a todos os habitantes, que está por cumprir, as diversas irregularidades dos tarifários, estabelecer uma postura de respeito da concessionária com os utentes, no que concerne às respostas às reclamações e no envio de correspondência, em tom ameaçador decorrente da situação de monopólio, e para a necessária e inevitável remunicipalização do serviço de abastecimento de água, do saneamento e da recolha dos resíduos sólidos.
Ficam agora criadas melhores condições para a prossecução daqueles objectivos, certos de que se trata de uma corrida de fundo, com dificuldades a enfrentar, tendo em conta os grandes interesses que resistirão a ceder. Mas o fácil já está feito e não é o nosso mister, o difícil é a tarefa que se impõe. Impossíveis não existem.