
Burnout. Uma questão de saúde pública.
02/08/2020
Lembro-me de há uns anos ter assistido a umas jornadas de Psicologia, nas quais uma oradora convidada falava das perturbações obsessivo-compulsivas. Na altura abordava o facto na perspetiva de como a sociedade reforçava os traços obsessivos, comparando e dando como exemplo o mercado de trabalho, no qual muitas vezes é valorizado quem se dedica quase em exclusividade ao emprego.
Em algumas funções, geralmente as que envolvem maior responsabilidade, há um horário contratado, o qual dificilmente é cumprido. Por norma, há uma hora de entrada ao serviço, mas não há uma hora de saída definida, o que faz com o que trabalhador permaneça mais horas no local de trabalho mas com uma menor produtividade (presentismo). Mais, já em casa, há quem tenha acesso ao telemóvel e computador da empresa, o que permite que esteja permanentemente conectado com o trabalho, já para não falar em folgas ou férias que não são respeitadas pela chefia. Nos últimos tempos, este cenário foi o mais frequente, sendo que a casa tornou-se também o local de trabalho e muitos trabalhadores revelaram dificuldade em limitar as horas despendidas às suas responsabilidades profissionais e, por conseguinte, dificuldade em desligar do serviço.

Ao longo dos anos fui conhecendo várias pessoas, algumas próximas, que sacrificaram a sua vida pessoal e familiar em prol do trabalho. Todas elas chegaram a um estado de exaustão tal, que se sentiam doentes, sem energia e sem motivação para realizar as tarefas que outrora as cativaram. Sair de casa para ir trabalhar era uma doença. Tinham dificuldade em se desligar das suas responsabilidades e, quando encontravam uma brecha para escapar às mesmas, lá o chefe lhes ligava a recordar que o tempo ainda não era para descanso, coisa que nem sempre era bem entendida pela família.
Foram noites mal dormidas, níveis elevados de ansiedade, demasiada pressão e exigência exercidas pelo chefe, discussões com os familiares que não compreendiam a razão da sua ausência e que as tentavam alertar para o ritmo absurdo de vida que levavam, falta de tempo para fazerem atividades de que gostavam, tonturas, náuseas, quebras de tensão. Até que chegaram a um momento de rutura, motivado quase sempre pela falência do corpo, que culminava em faltas ao trabalho (absentismo) por questões de saúde psicológica mascaradas de problemas físicos. Atingiram assim o seu limite, e perceberam que o corpo lhes dava um grito de alerta para mudarem de vida.
Já com o discernimento restaurado, o que lhes permitiu ter o afastamento necessário para avaliar o período que viveram, aperceberam-se que estavam em burnout (estado de exaustão física e mental vivenciado por quem está exposto a uma sobrecarga ou excesso de trabalho) e que todo o sacrifício que fizeram não valeu a pena. Num primeiro momento, o vencimento que auferiam compensava o esforço, mas não quando este se tornou continuado.

O cansaço extremo, cefaleias, alterações frequentes do sono, alterações de apetite, distúrbios gastrointestinais, dores musculares e agravamento de doenças já existentes são alguns dos sintomas físicos de quem está em burnout. Já o sentimento de fracasso, desilusão, desesperança, desmotivação, depressão, apatia e isolamento social constituem alguns dos sintomas emocionais experienciados.
Numa recente entrevista ao jornal Expresso, o Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), Francisco Miranda Rodrigues, apelidou o burnout como um problema de saúde pública. Enalteceu ainda que o absentismo devido ao stresse ou outros problemas de saúde psicológica, bem como o presentismo, correspondem a uma diminuição da produtividade dos trabalhadores, a qual tem custos para as empresas, estimados pela OPP em €3,2 mil milhões.
É urgente uma consciencialização rápida e eficaz das empresas para a prevenção e promoção da saúde psicológica dos trabalhadores, a qual teria impacto na diminuição dos erros e acidentes laborais, na conflituosidade laboral, na permanência dos colaboradores por mais tempo na empresa, no aumento da motivação e compromisso dos trabalhadores, assim como, numa maior produtividade e, consequentemente, maiores lucros.
Não há saúde sem saúde mental.