
Amor à camisola… Ou será paixão?
09/05/2020
Hoje, a Dra. Vanessa Castro, faz um texto diferente, cheio de verdades e um alerta: confie mais no que tem dentro de ti. Essa força que não fazemos questão de ver, nos empurra e nos ajuda a seguir em frente, mesmo que forçando alguns instintos básicos, entre eles, o de preservação. Um desabafo emocionante.
Estou diante do computador e sei que tenho que escrever este artigo. A noite já vai longa, os olhos já pesam e o raciocínio parece não avançar tão rápido quanto desejava. Questiono a hipótese de enviar uma mensagem a informar de que esta semana não tenho tempo para escrever e nem sei sobre o que escrever. Talvez descartar a responsabilidade que assumi fosse o caminho mais fácil. Mas sei que não iria ficar de consciência tranquila.

Diante das dificuldades, são muitos os que optam por fugir daquilo que lhes compete, fingindo que não é nada com eles e esquivando-se de agir em conformidade com as suas responsabilidades. Escondem-se atrás dos outros, em vez de dar o corpo ao manifesto. É desta forma que passam pelos pingos da chuva e não se molham. Desistem facilmente. Ou melhor dizendo, evitam comprometer-se com o que quer que seja, esperando que outros o façam.
Este não é de todo o caso dos profissionais que asseguram o apoio a doentes com Covid-19 e que necessitam de cuidados especiais. Desde médicos, enfermeiros, auxiliares de ação direta, assistentes operacionais e aqueles a quem compete a gestão logística e burocrática deste apoio. Não é um trabalho fácil, pois implica lidar diariamente com o imprevisto e tomadas de decisões rápidas. Profissionais que constituem uma equipa, a qual faz movimentar a máquina, algumas vezes a várias velocidades e com necessidade de ajustes frequentes.
É um trabalho que exige muito de cada um; organização, responsabilidade, coordenação e essencialmente resiliência. Não há espaço para vacilar. É agarrar o touro pelos cornos e salve-se quem puder. Improvisar quando as condições não são as desejáveis mas as que se têm. É um trabalho a contra relógio que exige preserverança. Todos os dias os profissionais testam os seus limites. Por vezes nem parecem humanos tais são os sacrifícios que fazem e espera-se deles que aguentem firmes, porque são precisos. Tanto a família como o descanso ficam de parte em detrimento de um bem maior. Cuidar dos outros.

Muitos dizem que se pudessem voltar atrás não teriam assumido a responsabilidade. Talvez eles acreditem naquilo que dizem. O que não sabem é que a força daquilo que os fez estar na linha da frente é mais forte do que qualquer arrependimento que agora possam sentir por estarem extenuados e cansados. É a força de quem veste a camisola com espírito de sacrifício. É a força de um altruísmo fora de série. É a força de quem se dá ao outro. E no momento de manter a máquina em funcionamento, pouco importa a compensação financeira, porque não há dinheiro que pague o peso nos ombros e as noites mal dormidas. No fim, e tal como uma destas profissionais me disse, haverá o espírito de missão cumprida. E é esta sensação que, no futuro, fará com que muitos dos que prometeram nunca mais assumir esta responsabilidade, a aceitem caso sejam novamente chamados a cumprir o seu dever de cidadãos maiores. Costumo dizer que no meu dicionário não consta a palavra desistir, embora reconheça que em alguns momentos da vida desistir do que nos faz mal, ajuda-nos a avançar. É um ato nobre e corajoso. No entanto, a minha falta de tempo não é assim tão grave que ponha em causa a minha palavra. Assumo, portanto, o risco e decido cumprir com o compromisso, na esperança de que saia alguma coisa de jeito e que o texto seja aceite. Portanto, se o tiver acabado de ler é um bom sinal.