
Ser (im)perfeito
21/09/2020
Provavelmente parte de nós já conheceu, ou irá conhecer, alguém que parece ter sido contemplado com o dom da sabedoria e da perfeição. Aquela pessoa a quem não há nada a apontar, tal é a sua conduta irrepreensível. Chamemos-lhe então o Sr. Perfeito, fazendo uso do masculino genérico apenas por uma questão de tornar a escrita mais prática.
Amado por uns, odiado por outros, este Sr. Perfeito sabe sempre como se comportar, o que dizer e o que fazer, parecendo controlar todas as variáveis parasita que se possam atravessar no seu caminho para arruinar tamanha mestria. É claramente um exemplo a seguir e tem sempre um bom conselho para dar. O melhor, aliás.
É aquela pessoa de quem se gosta ou não se gosta. Gosta quem ambiciona tomar contar do seu pedestal, fazendo-lhe vénias exageradas e esforçando-se por lhe agradar a cada segundo. Alguém que não se importa de perder a sua identidade em prol de conquistar o troféu da perfeição, mesmo que isso lhe custe alguns elogios forçados ou umas lambidelas de botas com a sola suja. Não gosta quem quer preservar a sua condição de humano, que implica ser-se imperfeito por natureza e cheio de contradições. Quem não se preocupa muito por agradar aos outros, principalmente àqueles para quem nada serve a menos que seja perfeito aos seus olhos. Quem não tem paciência para sábios conselhos, disfarçados de lições de moral de um ser superior.

Errar faz parte da vida, mas erros não é coisa que este Sr. Perfeito tolere, pelo que a crítica está-lhe na ponta da língua. Olha para as pessoas como se elas fossem uma extensão de si próprio e, por isso, exige-lhes a perfeição, ou melhor, aquilo que entende por perfeição, não respeitando a individualidade de cada um. Ele está sempre certo e não aceita ser desafiado por quem, aos seus olhos, constitui um ser inferior.
Não é fácil estar-se próximo de alguém com estas características. O facto de, aos seus olhos, nada estar bem e a crítica para com os outros ser uma constante, afasta as pessoas de si, ao invés de as aproximar. Tornam-se seres tóxicos, desprovidos de empatia. Não respeitam o outro, por terem dificuldade em entender que cada um pode ser aquilo que quiser e fazer como quiser, sem que isso constitua necessariamente um erro ou uma imperfeição.
O que muitas vezes não vemos é que a procura incessante pela perfeição causa sofrimento ao próprio. Não é só o outro que ele não respeita; também não se respeita a si. Não são só os erros dos outros que ele não tolera; também não tolera os seus. Não critica só os outros; também se critica. E fá-lo porque talvez ao longo do seu desenvolvimento tenha havido quem exigisse de mais dele. Quem criticasse um “Bom” num teste porque só o “Muito Bom” era aceitável; quem reprovasse os seus comportamentos típicos de criança, porque tinha de ser um “mini-adulto”; quem lhe dissesse vezes sem conta que “não fazia nada de jeito”.

Embora por vezes digamos que a opinião dos outros não nos interessa, há uma fase da nossa vida que vivemos para agradar os outros, principalmente os que são a nossa referência, como por exemplo os pais ou os cuidadores. É aqui que, consciente ou inconscientemente, caímos na armadilha de nos anularmos em detrimento da aprovação dos outros e passamos a viver numa prisão, até ao momento em que perdemos a vergonha de nos assumirmos como seres imperfeitos.