(des)Estigmatizar a Saúde Mental

06/09/2020

Com a pandemia, a saúde mental tem estado na ordem do dia. São várias as iniciativas que têm como objetivo perceber o impacto psicológico do confinamento e do isolamento social a curto e, particularmente, a longo prazo. Se este é o “assunto da moda”, e ainda bem que o é, então aproveitemos para desconstruir o estigma associado à doença mental e à procura de ajuda por parte de um profissional especializado.

Recordo o dia em que uma vizinha me perguntou que curso tinha escolhido. Na altura tinha entrado para a universidade há uns dias e respondi orgulhosamente “Psicologia”, ao que ela comentou “Ah! É aquilo que trata dos tolinhos.” No momento considerei que o comentário da senhora fora despropositado, mas ao longo da minha formação fui sendo alertada, tanto por outros profissionais, como por acontecimentos reais, que a conotação negativa da Psicologia era bem mais frequente do que imaginava. Ora lhe chamam “artes mágicas”, como se tivéssemos uma bola de cristal e conseguíssemos adivinhar o futuro, ora a descredibilizam dizendo que “é só conversa”, ou no caso da intervenção com crianças “só fazem jogos”.

Este preconceito para com a Psicologia contribui para que muitas pessoas não peçam ajuda por não acreditarem no trabalho dos profissionais, ou por sentirem vergonha, uma vez que têm medo de serem discriminadas por, eventualmente, sofrerem de uma doença mental. Neste sentido, acabam por sacrificar o seu bem-estar emocional ao não procurarem ajuda numa fase inicial das suas dificuldades, o que faz com que arrastem um problema que poderia ter uma resolução simples. Ora, quando chega ao momento de procurarem efetivamente ajuda, o pequeno problema já se tornou num grande problema e o que era simples de resolver já é um pouco mais complicado.

Engana-se quem pensa que quem recorre ao Psicólogo são só os doentes mentais. Não é necessário ter uma perturbação mental para marcar uma consulta de Psicologia. Podemos entender que precisamos de ajuda para aumentar o nosso autoconhecimento, a nossa autoestima, e desenvolvermos competências emocionais que nos ajudarão a lidar, de forma mais adequada e tranquila, com alguns obstáculos e a mantermos relacionamentos saudáveis. Ao melhorarmos o nosso bem-estar estamos a contribuir para uma melhor qualidade de vida. Se temos o cuidado de fazer um check-up à nossa saúde física, também podemos criar o hábito de fazer um check-up à nossa saúde mental.

A pandemia veio valorizar a saúde mental deixando a descoberto algumas limitações no acesso a apoio especializado, principalmente, ao nível do Serviço Nacional de Saúde. É perentório apostar nos recursos humanos e promover a literacia em saúde mental na comunidade. Combater o estigma em recorrer ao acompanhamento psicológico, inclusive ao nível dos profissionais de saúde, é também essencial, mais ainda no momento delicado que vivemos.

É certo que o caminho é longo e que a nível político ainda há muito por fazer, particularmente no que toca a um melhor acesso aos cuidados de saúde mental, seja da comunidade em geral, seja de alguns grupos profissionais, como enfermeiros, bombeiros, forças policiais, entre outras categorias de risco. Porém, também cabe a cada um de nós, profissional especializado ou não, contribuir para a desmistificação do acompanhamento psicológico, encarando-o como algo natural a que podemos recorrer sempre que precisarmos de alguém que nos oriente de modo a encontrarmos um novo caminho, uma nova luz ao fundo do túnel.

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