Quando o coração nos (des)ilude

19/07/2020

Há momentos em que a boca cala uma revolta sem fim. Mas o que a boca cala, o coração sente. É um aperto no peito que deixa transparecer uma mágoa, a qual em tempos pensámos estar resolvida. Não está e apercebemo-nos que irá demorar a sarar. Afinal não é de um dia para o outro que ultrapassamos o facto de nos terem enganado. É um golpe duro, o qual, caso não mantivermos o discernimento, nos pode levar a cometer erros. E que vontade dá…

É nestes momentos que quase instantaneamente revemos o passado. Parece que mesmo sem querermos, os acontecimentos passam à frente dos olhos como se de uma película se tratassem. Lembramo-nos de quando conhecemos aquela pessoa que nos viria a fazer questionar algumas crenças, estereótipos e valores morais e éticos, sem antevermos a forma como os nossos caminhos se iriam cruzar. A convivência foi acontecendo e era notória a cumplicidade existente. Nada mais do que isso, ou pelo menos assim pensávamos.

Mais tarde, ainda que timidamente, um interesse proibido foi revelado. Ficou ali a tentar-nos, a persuadir-nos, à medida que ficava cada vez mais apetecível. Soubemos de imediato que, mesmo que mostrássemos alguma resistência motivada pela incapacidade percebida em termos uma conduta imoral, mais cedo ou mais tarde iríamos ceder. Dizem que a carne é fraca e que o fruto proibido é o mais apetecido.

O isco estava lançado, mas a dificuldade em confiar fazia com que andássemos às voltas; nem prendíamos o isco nem o abandonávamos. Até que um ou outro argumento dito com a mestria de quem sabe a força que as palavras tem, nos convenceu e nos transmitiu segurança para correr o risco. A partir daí os acontecimentos foram avançando com fluidez e, diziam-nos, com jogo limpo. Alguns limites impostos, borboletas na barriga, o coração a palpitar mais rápido e várias vidas a serem vividas em paralelo. E o tempo foi passando.

Tudo nos cativava. Mas nem tudo era vivido na sua plenitude, o que deixava um sabor agridoce. Os sentimentos foram além do limite permitido o que nos fez ponderar que caminho percorrer. Instalou-se a confusão e com ela veio a instabilidade. Deixámos de suportar o risco, as mentiras e as migalhas já não nos chegavam. As dúvidas sobre a credibilidade da outra pessoa apoderaram-se do nosso pensamento. Os sinais de falta de verdade estavam lá, mas teimávamos em tentar justificar o injustificável. A adrenalina ia-se desvanecendo. A vontade de continuar assim era nula.

Até que, por muito que nos custasse, a necessidade de fazer um ultimato à outra pessoa impôs-se, para que um futuro, fosse ele em conjunto ou em separado, se definisse. Lutámos contra a dificuldade em nos sentirmos vulneráveis, que é o que acontece quando expomos o que nos vai na alma, e pedimos encarecidamente que fossem verdadeiros connosco e que se não fosse para ser, que nos deixassem ir. Quando agimos de coração aberto, esperamos que ajam da mesma forma connosco. Mas nem sempre é assim.

Estando na iminência de perder o seu troféu, há quem comece a jogar sujo e a manipular-nos de forma a nos manter por perto o mais que puderem, sem talvez perceberem que é o pior erro que podiam cometer. Adiam uma decisão que nunca quiseram tomar, dizem-se confusos e desculpam-se com o excesso de trabalho. Vão alimentando uma história paralela justificando-a com a exposição que têm na sociedade e com as consequências desastrosas de uma decisão contrária. Os bons momentos vividos outrora são apagados por um exercício manipulativo que deixa um rasto de dor, raiva e mágoa. Quando as palavras e as ações são incoerentes, é nas ações que devemos acreditar.

Chegámos a um ponto em que dizemos basta! Se tivermos de ser a única pessoa a fazer uma escolha, que assim seja. E que essa escolha seja baseada naquilo que achamos que merecemos, no melhor para nós, colocando-nos sempre em primeiro lugar. Repentinamente tudo acabou. Ficou o alívio de nos termos libertado de um jogo de mentiras e enganos, mas ficou a mágoa de nos sentirmos enganados. Ficou a revolta de termos conhecido a cobardia e a manipulação de alguém integrado na sociedade como tendo bom coração, sendo respeitador e com caráter. Ficou uma vontade enorme de desmascarar quem nunca mereceu a nossa admiração, consideração ou confiança.

No fim, ficou a certeza de que tomámos a decisão certa quando decidimos prosseguir caminho sem olharmos para trás. Ficaram também os sentimentos de desprezo e pena para com alguém que vive refém de uma imagem criada para os outros, alimentando uma vida de fachada e que consideramos ser uma fraude. Ninguém é feliz a viver uma mentira, mesmo que repita o contrário vezes sem conta para se tentar convencer.

São muitas as histórias deste género que se repetem com personagens diferentes. Relatos de dor por se verem atraiçoados por quem confiaram e de culpa por se terem permitido acreditar em alguém que não merecia. A culpa e o arrependimento são difíceis de gerir. Deixam-nos bloqueados e amarrados ao passado, por isso são muitas vezes o motivo de um pedido de ajuda. Lá por terem errado connosco, não significa que sejamos carrascos de nós próprios. Não devemos sacrificar o presente pelas memórias do passado. A vida é bonita demais para não ser aproveitada e o tempo demasiado valioso para ser desperdiçado.

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