A história de Amália finalmente contada

29/06/2020

Foi preciso muito tempo e uma conversa com o escritor José Saramago para abrir os olhos do jornalista e escritor Miguel Carvalho, para uma nova interpretação sobre quem de facto era Amália Rodrigues. De um lado idolatrada e de outro odiada fervorosamente. Mas, porque é que tudo isso acontecia? Porque é que foram precisos tantos anos para que essas faces misteriosas viessem à tona? 

A história, com detalhes, está contada no livro de Miguel Carvalho: “Amália, Ditadura e Revolução – A História Secreta”. O livro de 600 páginas explora o lado desconhecido da cantora durante a ditadura e após a sua queda. Mostra um lado que era desconhecido e também negado por quem preferia deixar a imagem de Amália no obscuro papel de “amiga do regime”.

Amália Rodrigues, a fadista que levou Portugal para o mundo, com um fado que misturava tradição com melodias modernas e bem estruturadas, nasceu em 1920, no Fundão, e morreu em 1999, em Lisboa, horas depois de chegar de um período de férias no litoral Alentejano. Sua vida, como um bom fado, foi repleta de drama, paixões e muito mistério. E agora sabemos que os mistérios eram uma parte significativa de sua vida complexa. 

O livro tem uma visão de pesquisa jornalística, que segundo o autor, tinha de sair agora, correndo o risco de nunca mais a história ser contada. Segundo Miguel Carvalho, os contemporâneos de Amália, as verdadeiras testemunhas dos acontecimentos estavam já com idade muito avançada. Mais um ou dois anos poderia ser tarde demais, e estariam mortas as testemunhas e as histórias.

Sobre o escritor

Miguel Carvalho é um jornalista com veia de escritor, nascido em 1970. Cursou radiojornalismo, escreveu livros, cinco para ser exato, enveredou pelo jornalismo investigativo e com seu trabalho cuidadoso ganhou o Prémio Gazeta de Jornalismo, em 2009, mas teve outros durante a carreira. Sobre o livro, cita uma frase interessante e reveladora: “A democracia demorou a perceber que não podia deitar Amália para o caixote do lixo do fascismo”

O que tem no livro

O livro deixa claro que Amália era usada pelo regime, que explorava sua imagem como base para suas campanhas, mas mostra que ela tinha um lado político oculto e que apoiava secretamente a esquerda, por meio de ajuda, muitas vezes financeira ao PCP, partido banido naquela época, e a seus presos políticos. O partido nunca assumiu esse apoio, mas ele é declarado por diversos entrevistados. Para muitos, esses factos eram novidade até pouco tempo atrás, e ainda há quem não acredite. 

O PCP, que é criticado por não trazer esse assunto à tona, se defende dizendo que a ajuda de Amália era feita em altos escalões e não vinha ao conhecimento do público. 

Eu mesmo, percebo uma certa resistência entre alguns amigos meus, quando cito Amália ou alguma obra dela que eu goste. Noto que há um “não sei o que” no ar. Como se ao comentar sempre que tocam fados de Amália, eu tivesse introduzido um elefante no ambiente.

Nesse livro, Amália é mostrada como uma pessoa que fez tudo sem vir a público cobrar um reconhecimento, mesmo quando lhe atiravam pedras por ser considerada a “namoradinha do regime”. Por isso mesmo, Amália era odiada no meio do fado. Quem sabe se não estará no momento da verdade, que se não redimir, que pelo menos sirva para informar e trazer uma nova visão da verdade histórica, e assim podermos manter o ídolo na sua verdadeira posição.