
Todos juntos contra o COVID-19. Ou será a favor?
26/06/2020
Quando somos otimistas, temos de dar espaço para o risco desse mesmo otimismo se virar contra nós. Portugal, tem sido alardeado mundialmente como um exemplo de sucesso no combate à COVID-19. Poucos países puderam contar com os elogios e o apoio internacional que tivemos. Fomos dos primeiros a reagir à pandemia, tivemos um dos controles mais rígidos, a população tomou atitudes antes mesmo de o Governo trazer medidas. Tudo foi tão bonito!
Agora, depois de tudo, podemos nos libertar dos estados de emergência, calamidade e outras restrições e isso foi o suficiente para ir tudo por água abaixo. Talvez um pouco de tudo: descrença na própria doença por parte da população, falta de controlo por parte das autoridades, efeito manada com o surgimento da época próxima do verão e a necessidade de sair de casa. Há também um outro efeito bem interessante: aquele em que “se eu não vi ninguém com a doença, ninguém na minha família ou nem um amigo teve a doença, então ela não existe”.
Percebe-se claramente que a impaciência tomou conta das pessoas. Quem tem um negócio, precisava trabalhar, quem era empregado, precisava garantir que estaria seguro de ter seu emprego. A situação financeira proporcionou alguns casos em que se tornou difícil ficar em casa. Reside aí também uma grande questão. Somos uma sociedade que só funciona com interação e isso provoca situações sem controle.

Foi comum ver à entrada de supermercados, mercados, e até nas farmácias, filas controladas por agentes de segurança particulares, polícias e funcionários. Tudo isso fora das portas. Uma vez dentro dos estabelecimentos, ninguém tinha nenhum respeito pela distância social ou qualquer outro cuidado com a disseminação do vírus. Cheguei a presenciar beijos e abraços, sem nenhuma preocupação. Há também o efeito natural de se descuidar por achar que já não temos mais uma situação grave. Podemos então relaxar.
Já vivemos isso antes
Nenhuma ordem dada será suficiente enquanto não houver, por parte da população, uma crença nos perigos da doença. Para viver é preciso ter medo. É preciso levar a sério os riscos de contágio. Na verdade, lembrei-me dos primórdios da SIDA. Quem tem idade para recordar, vai entender. Nos anos 80, logo no início, era muito comum pensar-se que aquilo jamais aconteceria comigo. Todos achavam que era uma doença para “os outros”. Não passou pela cabeça de ninguém que a SIDA era uma doença já em propagação mundial e de certa forma, já era uma pandemia. E hoje, depois de muitas mortes, o mundo já usa preservativos com uma enorme naturalidade, mas foram necessárias muitas mortes para se ter a consciência da necessidade de proteção.
O coronavírus têm o mesmo perfil. É uma doença em que cada um de nós tem de saber que ela mata, e pronto! Se não levarmos a sério, teremos de conviver com ela por muito mais tempo e a cada dia que se passa, ela levará consigo a economia e as vidas de muitas pessoas e empresas.
De Lisboa para o mundo
Recentemente a capital do país começou a ser notícia novamente, devido ao retorno das infecções pelo COVID-19. Os noticiários estão cheios e vemos as imagens de pessoas aglomerando-se em festas nas ruas, entrando em comboios lotados para ir ao trabalho, frequentando praias lotadas para tomar sua dose de Sol, tudo como se o vírus já estivesse eliminado. O resultado disso é a necessidade das autoridades correrem atrás de consertar a situação e tentar conter o comportamento das pessoas juntamente com a propagação do COVID-19.

Uma das providências foi a decretação do estado de calamidade em Lisboa. Chegou-se a pensar em criar uma barreira sanitária na capital portuguesa. A verdade é que o sistema de controle depende das pessoas. São elas que podem, com seu comportamento, evitar a disseminação do vírus e seu controlo. Uma verdade é certa: sem uma vacina definitiva, estaremos nas mãos da doença e não há o que possamos fazer a não ser nos manter distante dos riscos.
Novos comportamentos
Sabemos como é difícil mudar hábitos. Estamos acostumados com as mudanças, sim, mas aquelas lentas mudanças que a humanidade nos proporciona. Mas nunca fomos abertos às mudanças bruscas como essa. Toda vez que temos de mudar hábitos arraigados à tanto tempo, haverá resistência. Até hoje ainda tento apertar mãos e no meio do caminho percebo que não é mais permitido. Ainda tenho dúvidas de onde usar e não usar a máscara e por isso mesmo uso mais do que não uso, por mais incómodo que sinta.

Precisamos realmente ter uma nova visão sobre os tempos que vivemos e isso precisará nos ensinar novos hábitos, que para os europeus deveria ser muito fácil. Podemos ter de dizer não com mais frequência, talvez mostrar umas caras mais mal humoradas de vez em quando, quando nos abordarem de forma não segura. Deverá haver de nossa parte uma mudança radical de cultura, tudo para esperar a volta à normalidade. Temos de ter certeza de que esse retorno nunca mais nos devolverá aos modos de comportamento antigos. Isso nunca mais será igual e se for, corremos o risco de cair de novo em desgraça.
Podemos esperar por mudanças na forma de cumprimentar, na convivência entre pessoas, no compartilhamento de espaços e coisas, na higiene de objetos, e tudo mais que se refere à possibilidade de ter contato com algum tipo de doença no futuro.
Mas tudo isso só vai acontecer se as pessoas acreditarem que o risco é real e que só com novos comportamentos poderão estar seguros.
Cercas sanitárias
Não há restrição de movimentos que possa competir com a ignorância e descrença. As tão faladas cercas sanitárias que os autarcas tanto defendem quando a coisa se complica, só terão resultado se no final, não se parecerem com a abertura de um curral de gado, quando todos correm para seus antigos hábitos como se nada mais fosse importante. É necessário que haja mais esclarecimento e fiscalização. É preciso que o povo sinta que há risco e para isso não pode haver politização, apenas educação.
Mais recentemente se cogita a cerca sanitária a Lisboa. De que adianta, se quem lá estiver continuar a frequentar comboios lotados, entrar e sair de bares e cafés como se não vivêssemos num novo mundo, se as indústrias e o comércio não ajudarem a educar seus empregados com informação precisa.
As pessoas precisam entender que tudo isso é parte de um sistema em que para funcionar todos devem estar alinhados nas mesmas preocupações, e buscando as mesmas soluções. Somente assim podemos ver uma luz no final do túnel.