
A arquitetura depois da COVID-19
30/05/2020
Que o mundo não é mais o que era antes, já sabemos, mas que ele não será nunca mais o mesmo, isso vamos saber muito em breve. Para os que têm uma visão de longo prazo e uma percepção mais apurada do que vem pela frente, já se planeia para uma realidade onde tudo o que conhecemos hoje será diferente e com mais restrições, temores e uma coleção de novos comportamentos que precisam ser pensados desde já.
Nossas casas não serão mais como as temos hoje, e no mínimo, não deveriam ser. As mudanças vão interferir não só nos hábitos, mas também na forma como se constrói. As mudanças vão atuar sobre três espaços comuns em nossas vidas: a casa, o trabalho e a rua. Para quem ainda vai construir, mudam os projetos, considerando algo que não era pensado até agora: a saúde além da salubridade.
Os projetos atuais consideram o conforto e a iluminação como elementos para um desenho, consideram a mobilidade e os trajetos, mas de agora em diante, vão considerar se pode ser também saudável. Por enquanto, talvez não haja uma lei para isso, mas os arquitetos já pensam antecipadamente nas possibilidades.
Os países, em geral, vão abrandando suas medidas de contenção e isolamento e aos poucos todos vão tentando entender o que significa “nova normalidade”. Com a quebra repentina e inesperada no nosso modo de vida, fomos obrigados a encarar uma nova forma de relacionamento com o mundo e a sociedade. Podemos dizer que temos pela frente um futuro desconhecido.
A casa
Novos projetos deverão considerar que uma pandemia não é mais uma coisa distante e que sem muito drama, podemos preparar-nos para ter uma casa mais adaptada a uma nova realidade. Nas residências isso é uma operação simples. Deve-se preocupar basicamente com a receção de pessoas. Qualquer arquiteto com alguma criatividade inclui uma área onde as visitas vão poder passar por uma higienização antes de entrar na casa propriamente dita.

A antessala que aos poucos vinha sendo eliminada dos projetos, muito em função da modernidade e também devido à simplificação e eliminação de paredes, vai talvez, ter sua presença repensada. Acaba sendo o lugar ideal para fazer a proteção do resto da casa.
Os espaços também serão revisto. A circulação de luz e ar, passará a ser integrada ao projeto, não mais para dar apenas conforto térmico, mas agora terá a função de preservar a saúde dos moradores. Todos os projetos novos deverão considerar uma circulação de ar entre os cômodos da residência. As dimensões de janelas e a ventilação das casas de banho vão ser outras a partir dessa visão.
Como sabemos, as famílias continuam sendo um grupo de convivência e não pode ser separado, a não ser que haja um caso de infecção, mas a ideia é prevenir.
Nas casas já existentes, há sempre possibilidade de se adaptar e isso será realmente necessário. Talvez voltemos a ter uma pia na entrada, logo na porta de entrada, equipamentos de desinfecção e quase a visão de uma antessala de uma casa de banho. O mais difícil será fazer tudo isso sem parecer paranóico.
Os espaços profissionais
Nesse campo as coisas se complicam. Ambientes profissionais são por excelência aglomerações, em geral, de todos os tipos. Uma combinação perigosa de diversas formas: podemos ter aí apenas colegas de trabalho ou muitos clientes transitando entre trabalhadores. Qualquer uma das formas pode ser um meio de descontrole de infecções.

A arquitetura sozinha não vai salvar o mundo, mas tem um papel fundamental na forma como se pode combater os efeitos de uma pandemia como a COVID-19. Usando os conhecimentos de anos passados a lidar com outras situações, os arquitetos são o elo de ligação com capacidade de criar soluções práticas e preferencialmente baratas para a circulação e proteção de pessoas.
Seja criando estruturas temporárias ou alterando definitivamente as existentes. Uma verdade também deve ser pensada: não sabemos com o que estamos lidando e nem por quanto tempo deveremos lidar. A verdade é que aos poucos temos de voltar a produzir, e já estamos, e é melhor que tenhamos segurança para continuar a vida da maneira mais normal possível, pelo menos nesse normal que se apresenta daqui para diante, e estamos a falar, não de meses , mas talvez anos.

Nos escritórios ou mesmo nas fábricas, a ventilação e a luz terão uma importância fundamental. Os espaços entre pessoas e as facilidades de se manter “limpo” com mais frequência deverão ser valorizados cada vez mais. Naturalmente isso tem um custo, mas será mais barato que deixar de produzir. Salas de reuniões passarão a ser praticamente salas de emergência, até porque que cada vez mais os escritórios serão virtuais e as reuniões também.
Os espaços comuns, como o café e o refeitório, passarão a ser cada vez mais lugares de alto risco, em parte pela proximidade que eles propõem e também por serem locais onde se manuseia equipamentos comuns. Aqui os hábitos deverão ser “paranoicamente” mais cuidadosos. Mais uma vez, cabe aos arquitetos serem os guardiões do espaço, criando e apresentando possibilidades mais seguras para os usuários.
Os materiais
Não bastam soluções inteligentes de espaço se não houver um conjunto de providências para os apoiar. Na construção será necessário repensar o ato construtivo, mas também os materiais. Já há cientistas em busca de materiais que possam deter a propagação do vírus. Isso não é suficiente. Daqui para diante os arquitetos precisam rever os materiais de acabamento e as superfícies. Haverá a preocupação com a maior capacidade de se limpar e quanto mais auto-suficiente melhor. Quanto menos se tocar em maçanetas, torneiras, tampas de sanitas melhor.
Pode-se perguntar: mas esse vírus vai durar para sempre? Resposta: pode ser que sim, e se não for esse, um outro poderá vir. Não podemos esquecer que desde a gripe espanhola houve um enorme espaço de tempo para que outra catástrofe sanitária acontecesse e de repente, num espaço de 30 anos, temos a SIDA (AIDS), a H1N1, a SARS, o EBOLA e uns tantos outros. O mundo está a ficar doente e não nos preocupamos com o fato de que nossos hábitos já deveriam ter mudado há anos. Talvez a COVID-19 seja a deixa para que passemos para um outro patamar, começando pela forma como projetamos e construímos nossas casas.
Podemos dizer que, a longo prazo, o distanciamento social não será esquecido e que alguns novos costumes estão sendo criados e os ambientes deverão ser adaptados a eles.
As cidades. O meio urbano
Com esses novos tempos, os ambientes públicos como praças e jardins estiveram vazios, mas não é para sempre, porém não devem voltar a ser como antes. Será necessário adaptar à nova realidade. Um escritório de arquitetura Studio Precht, da Áustria, especializado em formas criativas de convivência, seja no âmbito das residências ou de escritórios e fábricas, estudou formas de transformar parques e jardins chamado chamado “Parc de l Distance”. É um parque urbano que mistura os jardins da belle époque de França com jardins japoneses, e foi pensado para o centro de Viena, na Áustria. Nesse projeto, valoriza-se os distanciamento social e o isolamento com uma visão contemplativa. Assim pode-se sair de casa e ao mesmo tempo respeitar as regras de uso dos espaços em tempos de pandemia.

Projetos parecidos começam a aparecer para resolver os problemas das calçadas e vias de circulação de pessoas nas cidades e nos grandes centros urbanos. Mesmo aí é necessário manter a distância e a segurança.
Já há em Nova Iorque propostas para indicar a largura das calçadas, alertando os utentes das possibilidades de distanciamento social. Existe um mapa concebido com detalhes de medidas de toda a cidade, o Sidewalk Width NY (Larguras de Calçadas de Nova Iorque). Naturalmente, soluções como essas precisam de espaços que tenham sido projetados de forma razoável. Imagine que em algumas calçadas de Porto e Lisboa essas medidas podem não passar de dois dígitos. Teriam de planear calçadas com sentidos únicos de trânsito.
Outro tópico que faz parte dessa complexa fórmula é o transporte urbano. A pandemia fez acordar uma necessidade de investimento que não se limita a comprar mais autocarros, mas incentivar o uso da via pública e da menor distância entre o trabalho e a casa. Em alguns casos o incentivo ao trabalho a partir da residência.

Esse raciocínio permite, de forma criativa, mudar hábitos e adaptar realidades. Em Paris, a presidente de Cãmara Anne Hidalgo, considera manter algumas medidas de restrição de circulação de veículos motorizados na cidade, aproveitando a experiência dos bloqueios que se fizeram durante a quarentena. Em Milão, há o projeto Strade Aperte (Ruas Abertas) que vai transformar 35 quilómetros de vias públicas de toda a cidade em locais dedicados a caminhabilidade.
Para a economia, essas ações podem ser muito positivas, pois cria um ambiente muito mais agradável para pessoas, e de alto potencial para consumo.
Concluindo
Somente com criatividade vamos poder ter um futuro seguro. Sim, seguro porque aquela ideia de felicidade e sucesso, agora estão diretamente dependentes de estar seguros e principalmente vivos. Nada que fizermos terá significado se não estivermos bem. Infelizmente muitas gerações se passaram depois das maiores catástrofes sanitárias e não temos mais que os livros, portanto, tudo, daqui para frente, dependerá de nós e da nossa capacidade de nos adaptarmos a essa nova realidade.