
Não basta parecer, tem que ser
23/05/2020
Num breve momento de tédio navego pelas redes sociais para coscuvilhar a vida alheia. Vejo sorrisos rasgados, palavras bonitas e fotografias invejáveis. Aqui tudo é perfeito e feliz, ou melhor dizendo, tudo parece perfeito e feliz. Na realidade, este ideal de perfeição e felicidade encobre muitas vezes vidas tristes e amarguradas de pessoas que vivem para uma imagem distorcida de si próprias. Sim, há quem se preocupe mais com aquilo que os outros pensam do que em ser genuínos e verdadeiros consigo e com quem os rodeia.
Como tenho dito muitas vezes, há quem se preocupe mais em parecer do que ser, o que, e desculpem-me a franqueza, é degradante para a condição humana. Cada um é livre de fazer as suas escolhas e, por isso, pode optar por levar uma vida de verdade ou, pelo contrário, uma vida de fachada. Mas façam-no em consciência, ou seja, cientes das consequências que tal escolha poderá ter nas relações interpessoais. Aqueles que não são verdadeiros consigo e com os outros não transmitem confiança, pelo que por muito que tentem esconder, mais cedo ou mais tarde a máscara cai e serão acusados de serem uma fraude.

Onde mais vejo este jogo de dissimulação é nos relacionamentos. Casais que são tidos como exemplo de uma relação feliz, mas que na verdade não passam de duas pessoas infelizes a partilharem a mesma casa, presas ao medo do que os outros vão pensar se se separarem. Como se a opinião dos outros valesse mais do que a própria felicidade! Ou talvez valha, principalmente para quem tem objetivos a alcançar, dos quais depende a avaliação que os outros possam fazer de si. Nestes casos há uma incapacidade de tomar decisões de ambas as partes, baseada claramente em interesses dúbios ou dependências emocionais e/ou financeiras, mas disfarçada pela preocupação em não deixar o outro desamparado, quando a verdadeira preocupação é que não sejam acusados de serem más pessoas. A imagem que passam aos outros sempre em primeiro lugar!

Chega a um ponto em que tal exercício se torna insuportável, pelo que procuram escapes que aos olhos dos demais poderão ser considerados imorais, mas sempre com o maior secretismo, porque as aparências têm de ser mantidas. Falo de relações extraconjugais, vulgarmente designadas por traições. E são-no de facto, porque ocorre uma quebra de confiança. A pessoa traída é geralmente a última a saber, ou talvez a ter a confirmação, já que ao longo do tempo há sinais que vão deixando transparecer algo de “anormal”, embora a relação possa continuar a ser alimentada, porque há uma imagem a manter e importa que seja minimamente credível. A terceira pessoa, mesmo sabendo que o é, irá ter a vida dificultada; ou aceita o papel de amante e aprende a confiar em quem engana ou, com o tempo, cansa-se e escolhe o amor que tem por si própria, não aceitando uma vida de mentira ou as migalhas de ninguém. Reparem como a incapacidade de terminar uma relação pode criar um imbróglio ainda maior, cujos danos causados poderão ser muito maiores, originando grande sofrimento para os envolvidos. Porém, e por mais estranho que possa parecer aos olhos de alguns, estas circunstâncias nem sempre são um problema, existindo relações de dezenas de anos que sobrevivem à presença de uma terceira pessoa.
No entanto, precisamos ter em consideração que a confiança conquista-se ao longo do tempo. Confiamos em alguém quando nos transmite segurança; quando percebemos que podemos acreditar nessa pessoa. E apercebemo-nos disso pela existência de coerência entre as palavras e os seus atos. Não confiamos em quem hoje diz uma coisa e amanhã outra, mas sim em quem mostra consistência no discurso e na ação, em quem diz a verdade e é honesto e sincero. Como confiamos em quem mostra ser uma coisa e é outra? Como confiamos em quem mente, engana e trai?

As pessoas em quem mais confiamos são as que queremos próximas de nós, seja porque fazem parte da família, seja pelo facto de as querermos como amigas, confidentes ou quiçá desenvolver uma relação íntima. A forma como mostram que a sua palavra tem valor é o que nos faz querer mantê-las, ou não, por perto. Os que escolhem o caminho do engano, da traição são pessoas que, à partida, não queremos por perto, porque não sabemos com o que contar e não nos interessa ficar “com o coração nas mãos”, sempre a desconfiar de quem partilha connosco a vida e a cama.
Ao longo dos tempos é provável que o nosso radar falhe na identificação de pessoas menos credíveis. Também é provável que, em algum momento da nossa existência, tenhamos atitudes ou façamos escolhas que acharíamos impossíveis ter. Se assim for, podemos encarar essas experiências como aprendizagens úteis para o futuro, fazendo um balanço do que nos trouxe de bom e de menos bom. É importante que nessa reflexão sejamos honestos connosco, evitando as justificações “da treta” que só têm a função de não nos sentirmos inteiramente responsáveis pelos nossos atos.
O essencial a reter é que não devemos fazer aos outros aquilo que não queremos que nos façam a nós e que vale a pena sermos ao invés de parecermos.