O que somos e o que queremos ser

11/04/2020

Quantas vezes ansiámos por passar mais tempo em casa e nos queixámos da correria desenfreada dos nossos dias? Quantas vezes reclamámos por não ter tempo, nem sequer para pensar? Quantas vezes deixámos pendurados projetos por falta de disponibilidade? E as vezes que adiámos estar com amigos porque tínhamos que trabalhar? Quantas noites mal dormidas tivemos tal eram as preocupações que nos atormentavam? Quantas vezes ignorámos os sinais do corpo a dizer para abrandarmos o ritmo? E quantas vezes sacrificámos o nosso bem-estar por algo que agora é nada?

Foram tantas e tantas vezes. Na maior parte delas até nos esquecíamos da nossa própria existência. Andávamos em piloto automático. Noutras, maldizíamos o relógio porque o tempo passava muito rápido e o dia não rendia. Não percebíamos a importância de tornar o hábito de respirar consciente.

Até que fomos surpreendidos por um vírus. Algo tão minúsculo que é invisível a olho nu, mas tão forte que é capaz de parar o mundo. As nossas vidas ficaram em suspenso; a nossa liberdade condicionada.

É provável que agora nos sintamos cansados de estar em casa, de ver sempre as mesmas pessoas, de não podermos ir à rua sem corrermos o risco de sermos questionados pela polícia ou por não podermos organizar convívios com a família ou amigos, os quais dantes evitávamos porque não tínhamos tempo. É provável que já tenhamos desejado voltar ao ritmo alucinado em que vivíamos, pois era essa a nossa “normalidade”.

É natural que nos sintamos baralhados, confusos, uma vez que nos foi imposta uma mudança radical, abrupta, que exige que nos adaptemos a uma nova realidade. As preocupações que nos tiravam o sono, já não são as mesmas. O que dantes era problema, agora não é. Aquilo que dantes menosprezávamos, agora dávamos tudo para voltar a ter. Um abraço. Um carinho. Um beijo. A simples presença de alguém.

Este ano não vamos abrir a porta “à cruz”

Para muitas famílias a celebração da Páscoa era um momento de festa e confraternização. Juntavam-se e recebiam o compasso em casa. Mas este ano, a tradição não se cumprirá. Não vamos estar com “os nossos”, não vamos abrir a porta “à cruz”. É algo que nos deixa cabisbaixos, nostálgicos. Apesar de ser diferente, pode ser um momento de crescimento. Tentemos repensar o nosso modo de vida. Será que, tal como outro dia alguém me disse, “éramos felizes e não sabíamos”? Será que temos que valorizar mais as relações interpessoais que dantes negligenciávamos? Será que podemos ser pessoas mais afetuosas, mais tolerantes e solidárias com os nossos semelhantes? Será que em vez de apontarmos o dedo a alguém, não podemos antes contribuir para o seu crescimento de forma construtiva?

Parece-me que temos aqui uma grande oportunidade de refletirmos sobre o que estava menos bem na nossa vida; sobre o que somos e o que queremos ser. Preservar os laços afetivos é uma parte muito importante para o nosso bem-estar emocional. Ninguém é feliz sozinho. Para nos sentirmos bem temos de nos relacionar com os outros, desenvolver relações positivas. O trabalho não é tudo. Claro que é fundamental para o nosso sustento, mas não precisamos de nos tornar obcecados. Precisamos de encontrar um equilíbrio entre a atividade profissional e tempo para a família e lazer. Precisamos também de momentos a sós, nos quais tenhamos consciência da nossa existência.

Logo poderemos abraçar e voltar a sermos como sempre fomos

Gostava que encarasse este texto como uma forma de reflexão sobre o nosso modo de vida e sobre os planos que muitas vezes fazemos, sem nos lembrarmos que, de um dia para o outro, tudo pode mudar. Pode parecer cliché, mas a verdade é que devemos tentar viver cada dia como se fosse o último, não deixando nada por dizer ou abraços por dar. É importante que tentemos manter o foco no presente, no aqui e no agora, sem anteciparmos o futuro ou massacrar-nos com o passado.

Quando isto passar, e acredite que passará, terá a oportunidade de mudar algo na sua vida ou de manter tudo como dantes. A escolha da mudança é sua, mas permita-me um conselho, tente não perder tempo. O maior valor que tem é a sua vida. Vai querer mesmo desperdiçá-la? 

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